sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Qual o nome do anjo?

Eu insisti por três anos, durante as consultas, para ter uma indicação ao transplante isolado de pâncreas. Venci pelo cansaço da médica, que acabou passando o nome do cirurgião que atende pelo meu plano. Mas para que você não perca seu latim com o endocrinologista, aviso desde já que o especialista responsável pelo TIP é o gastrologista (aquele mesmo que opera gorduchos infelizes). Basta pegar seu livrinho do plano de saúde, procurar por um e marcar. Em São Paulo, a equipe que cuida dos transplantes e encaminha para a fila do Sistema Único de Saúde (porque no Brasil, infelizmente, só o SUS detém o controle dos órgãos) é a HEPATO (http://www.hepato.com.br/). Não estou incentivando uma debandada em massa para as clínicas de cirurgia gastrológica. Mas conviver a vida inteira com uma doença ingrata e mutilante sem ao menos conhecer outros caminhos me parece idiotice. Informe-se por si mesmo, fuja dos sites e converse com transplantados. Como disse o gastrologista que possivelmente me opere: eles são as pessoas mais indicadas pra dizer qual é a melhor opção.

O maior critério é a vontade

Não faltam sites com informações sobre quem pode e quem não pode fazer o TIP, quando ele é indicado e quais são os casos de merecimento. Vou contar um segredo: o maior critério de indicação para o transplante é a vontade do paciente em fazê-lo. Não se iluda achando que um belo dia, em mais uma consulta, seu endocrinologista vai olhar seus exames e recomendar a cirurgia, avisando-lhe que a hora ideal chegou. Esse momento NUNCA vai acontecer. Ele sequer vai conversar com você sobre essa possibilidade, ainda que você esteja com retinopatia, nefropatia, neuropatia ou até mesmo tenha sofrido amputações e ficado cego. Seu endocrinologista lhe receberá com aquele sorriso bonachão, perguntando como estão as coisas e criticando seu controle glicêmico pelos próximos 10, 15, 20 ou 25 anos - o quanto você durar. Talvez ele seja atencioso e instale banheiros adaptados à deficientes físicos no consultório. Mas a iniciativa de conversar sobre o TIP tem que partir de você. Na melhor das hipóteses, outro especialista lhe recomendará o transplante, como o seu oftalmologista, nefrologista, cirurgião vascular, cardiologista ou, como no meu caso, o meu ginecologista - a quem sou grata por me mostrar que é possível conseguir o TIP sem estar aleijado ou cego (afinal, eu já tinha acreditado nessa idiotice e desistido de buscar a cura). Jamais o seu endocrinologista. A salário dele depende da sua doença.

Por que os médicos não indicam?

Desde que recebi o diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1, sempre me questionava: se já existe transplante disponível, por que a endocrinologista não indica? A resposta era a mesma: transplante é ruim e tem que tomar remédios para sempre; por isso, dá na mesma. Para minha compreensão dos fatos, isso soava como um comodismo médico associado à vontade de manter os consultórios cheios. Mas primeiramente, procurei informações sobre transplante de ilhotas de células-tronco de medula, tratamento disponível na USP de Ribeirão Preto. Na época, havia 12 leitos e as vagas já estavam preenchidas. E como o tratamento com células-tronco precisa ser feito logo após o diagnóstico, eu não poderia mais tentar esse caminho.
Os endocrinologistas e nefrologistas (principalmente) alegam que o uso de imunossupressores faz o paciente ficar em uma situação pior do que a dos dm's que usam insulina. Risco de câncer, herpes, meningite, pneumonias, diabetes tipo 2, osteoporose, lesão de pele, perda renal, obesidade são alguns argumentos usados pelos médicos. Nem preciso dizer que o diabético insulinodependente não está livre do risco de ficar tipo 2 a longo prazo também. Sem contar que, enquanto na imunossupressão a perda renal é um risco, no diabético tipo 1 ela é uma certeza. O risco de câncer é infinitamente menor do que os índices de cegueira por diabetes - sem falar, novamente, que o diabético não está livre de ter câncer. Os demais problemas são insignificantes perto das sequelas da diabetes. Portanto, esses efeitos colaterais não me assustaram.
Eu tenho um controle rígido, metas de A1C entre 5,1% e 6,3%, mas nunca é perfeito. Além disso, a rotina rígida de dieta em horários militares, a impossibilidade de qualquer jejum e as demais exigências da terapia intensiva levam qualquer um ao estresse físico e emocional.Nunca fui uma paciente padrão, que se satisfaz com exames normais e se ilude com notícias sobre cura no futuro. Eu sabia que a pílula azul não ia aparecer. Essa idealização de cura - que consiste em conseguir voltar ao estágio anterior à doença - nunca vai existir. Reconhecer isso é a primeira motivação para buscar o transplante isolado de pâncreas (TIP).